Um dia a gente cansa. Cansa desse nó na
garganta, cansa de ser o porto seguro de todos. Cansa de navegar e não ter onde
se apoiar em segurança. Porque só cuidar dos outros cansa. Porque só pensar nos
outros, desgasta.
Tem dias em que a gente se cansa.
Cansa física e mentalmente. Cansa de si mesmo, cansa dos outros.
Cansa até de ficar cansado. Cansa e não tem um lugar seguro para descansar.
Acontece que desistir não dá. Se jogar no
chão e pedir pra morrer não dá. Não funciona. Não resta muitas opções a não ser
sacudir a poeira, levantar âncora e sair navegando com nosso barquinho de papel
rumo aos abismos, porque você sabe (e se não sabe, aprenda!), "todo abismo
é navegável a barquinhos de papel". Guimarães Rosa sabia disso.
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O que há em mim é
sobretudo cansaço
O
que há em mim é sobretudo cansaço
Não
disto nem daquilo,
Nem
sequer de tudo ou de nada:
Cansaço
assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A
subtileza das sensações inúteis,
As
paixões violentas por coisa nenhuma,
Os
amores intensos por o suposto alguém.
Essas
coisas todas -
Essas
e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo
isso faz um cansaço,
Este
cansaço,
Cansaço.
Há
sem dúvida quem ame o infinito,
Há
sem dúvida quem deseje o impossível,
Há
sem dúvida quem não queira nada -
Três
tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque
eu amo infinitamente o finito,
Porque
eu desejo impossivelmente o possível,
Porque
eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou
até se não puder ser...
E
o resultado?
Para
eles a vida vivida ou sonhada,
Para
eles o sonho sonhado ou vivido,
Para
eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para
mim só um grande, um profundo,
E,
ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um
supremíssimo cansaço.
Íssimo,
íssimo, íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
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